Obra / Arquitetura

PLANO DA CIDADE DE NEGEV
Ano: 1964
Local: deserto de Negev
País: Israel
Descrição:

 

"Um plano de urbanismo para ser lúcido e atualizado deve exprimir uma concepção de vida definida, baseada no progresso técnico e social que caracteriza a época em que vivemos. Seu objetivo: criar para o homem as condições de conforto e comunicação que a técnica permite, os ambientes propícios ao trabalho, à cultura e ao recreio. Mas deve, principalmente, exprimir o período de confraternização que se aproxima, dando a todos, sem discriminação, o mesmo tratamento, conduzindo os homens para os problemas comuns, fazendo-os mais amigos e felizes.
 
Lembro quando um jornalista perguntou-me, aqui em Israel, como seria a meu ver a cidade ideal. Respondi-lhe: como um kibbutz que cresce, se expande e moderniza, sem perder seus aspectos humanos de entusiasmo, solidariedade e idealismo.
O projeto que elaboramos não constituirá uma repetição, ou melhor, uma variante do que se vai construindo neste país, mas qualquer coisa diferente - fantasista, para os menos sensíveis - porém honesta e desinteressada. Antecipa-se aos problemas do futuro e esse aspecto progressista do projeto mais o afirma em Israel, país de cultura e otimismo, predestinado às soluções de vanguarda que outras nações - ricas e industrializadas - ainda recusam.
E pedimos aos que vão examinar nosso trabalho que comparem preliminarmente com o que aqui se tem realizado - como os Planos de Beersheva e Eilat, por exemplo - pesando, de espírito aberto, suas vantagens e inconveniências, a fim de sentirem as razões da cidade vertical projetada: a preservação da terra e a economia indiscutível que representa, eliminando centenas de blocos de apartamentos que, ocupando demasiadamente o solo, criam problemas de tráfego e oneram os serviços de água, esgoto, luz, etc. Mas, se essa comparação não os convencer, se a evidência de tantas vantagens não os demover de velhos preconceitos, que não recusem definitivamente nosso projeto, que o guardem por algum tempo para daqui a 3 ou 4 anos voltarem a examina-lo com os mesmos propósitos de compreensão e boa vontade. E aceitarão, estamos seguros, as razões que hoje defendemos, lamentando não as terem antes compreendido, sentindo-as, finalmente, como uma imposição inevitável do progresso, da técnica e da própria vida.'
E foi coerente com esse raciocínio, com as dificuldades que sentimos pela frente - tabus, dúvidas, incompreensões e imediatismo - que solicitamos a troca do local anteriormente fixado (Bessor) optando pela situação em pleno Negev, pois sua construção, sabemos, será protelada por alguns anos.
 
1 - O Plano Negev - como o denominamos - procura integrar o homem na escala das antigas cidades medievais, quando ele as percorria facilmente, passeando, sem as preocupações e perigos que o tráfego hoje apresenta; de casa para o trabalho, para a escola e as diversões, e isso sem perder o contato com o conforto que a vida moderna propicia, com o carro parado junto de sua habitação pronto a levá-lo, se o desejar, a todos os setores da cidade. E esta, tratada como um verdadeiro parque, sem as ruas asfaltadas que o plano urbanístico pode omitir, servida de largos caminhos ensaibrados, pitorescos, arborizados, entre os quais se localizam os blocos de habitação. E as áreas de comércio e distrações distribuídas nas pequenas ruas de pedestres, ora desembocando em singelas praças de província, ora nos gramados que antecedem as zonas residenciais. E tudo isso rigorosamente adaptado ao critério de circulação estabelecido e que comanda todo o projeto.
 
2 - O zoneamento do Plano Negev é simples e definido. No centro, a Prefeitura, o comércio e a recreação. Em volta, as unidades habitacionais com todos os seus complementos, o setor cultural e educacional, as áreas destinadas à saúde e ao esporte. O limite da cidade é a avenida de contorno que distribui a circulação do tráfego.
 
3 - A circulação de veículos é um dos aspectos mais característicos do projeto Negev, projeto que se baseia na inteira independência entre a circulação de carros e pedestres. Com essa intenção ela se distribui na periferia da cidade, mas seu traçado permite ligação direta com todos os setores da mesma, onde estão previstos os respectivos estacionamentos. Uma grande esplanada com estacionamento para 10.000 carros situada junto ao centro comercial e recreativo, constitui a entrada da cidade e o ponto de distribuição e controle de todo o tráfego. Prevista em plano inferior, nela se encontram a rodoviária, o estacionamento de táxis, a central de polícia, barbearias, cafés, casas de banho e serviços congêneres, tudo ligado diretamente com as áreas de comércio e recreação por largas rampas. Mas foi nessas áreas que a circulação assumiu aspecto mais apurado, com as ruas de serviço - também em nível inferior - garantindo uma circulação precisa e independente.
 
4 - O problema da habitação exigiu estudo minucioso, pois sua solução não poderia ser conduzida de forma ortodoxa. Ao contrário, deveria, a nosso ver, conduzir-se dialeticamente, harmonizando-se com os demais problemas da cidade a fim de que a idéia, o espírito do projeto fosse devidamente atendido. Realmente, se tivéssemos previsto prédios baixos - 6, 10 ou 15 pavimentos - não nos teria sido possível manter a concepção inicial de uma cidade em que as distâncias máximas não ultrapassassem quinhentos metros, dispensando o veículo como coisa obrigatória, dando aos seus habitantes a utilização tranqüila e total do solo.
Impossível, tampouco, manter o esquema de independência na circulação de veículos e pedestres, pois o número excessivo de blocos de apartamentos que a solução no sentido horizontal obriga, evidentemente não o permitiria.
Por outro lado, não acreditamos na argumentação dos que combatem a habitação vertical, levantando problemas de elevadores, ventos, economia, etc. Sabemos que essa argumentação se baseia na rotina, nos preconceitos que, pouco a pouco, se foram fixando, ou então, numa posição de defesa, de conceitos há muito externados, o que é freqüente entre profissionais. Num prédio de 30 ou 50 pavimentos o elevador deve ser encarado como meio de transporte fundamental, conduzido pro funcionário experimentado que dele cuide conscientemente. Isso afasta o problema que o elevador automático estabelece quando utilizado pelas crianças, o único que merece explicação, pois com relação ao de economia, é claro que os elevadores previstos para um prédio de 50 andares custarão menos, utilizados nesse prédio, do que distribuídos em 5 ou 6 edifícios de 10 pavimentos. Resta o problema da altura, e nesse caso cabe apenas indagar: que diferença existe entre um apartamento situado num 40º pavimento e outro no 10º ou 15º pavimento? As diferenças são os aspectos positivos da solução em altura: evitar a poeira, as tempestades de areia, o revérbero do sol, o valor que se acumula e irradia do próprio solo; a diferença é o ar mais puro que possibilita e a vista esplêndida oferecida pelo Negev.
É claro que a habitação coletiva vertical que propomos exige um projeto adequado, que se adapte às suas características especiais, aos problemas que no caso mais se acentuam. E o estudo da unidade de habitação que sugerimos atende a essas condições específicas, dando ao apartamento o sentido de uma verdadeira residência. O acesso aos apartamentos é previsto por uma rua interna, e a entrada do apartamento propriamente dita é o jardim privativo que todos desejam.
Para esse jardim abrem salas e quartos, nas disposições que cada um preferir, e mesmo as fachadas - portas e janelas - ficam a critério dos moradores, sem a possibilidade de ser desvirtuado o aspecto arquitetônico do edifício. E cabe ainda explicar como esses apartamentos poderiam ter sua realização simplificada, vendidos, não como soluções já definidas, impossíveis de modificar, mas como áreas a construir, uma vez que fixamos apenas o acesso, o jardim de entrada e os compartimentos sanitários. O resto seria flexível, possibilitando todas as variações, inclusive construção interna por etapas, o que tornaria mais acessível para todos.
Estas, as características da solução adotada para a habitação do Negev, solução que a idéia urbanística exigia, cercada de parques e jardins, com escola primária, creche, jardim de infância, clube, mercado, etc., com o homem integrado na natureza hostil do deserto que deseja corrigir e amenizar. Solução que deliberamos adotar definitivamente, no dia em que a compararmos com outras usualmente aceitas, vendo pela comparação como ela é lógica e econômica. O desenho 9 mostra como no Negev as distâncias teriam se ampliado com a utilização de prédios de menor porte, o que aconteceria com Eilat se tivessem fixado um plano idêntico ao que agora elaboramos, eliminando ruas, centenas de edifícios, preservando o solo e a paisagem admirável.
 
5 - O centro comercial é o local onde se situa a municipalidade, o hotel, o comércio, os bancos, os escritórios comerciais, o teatro, cinemas, restaurantes, etc. É o local que reflete a vida da cidade, onde os homens se encontram e se aproximam para os assuntos de trabalho e diversão. Visando garantir esse clima indispensável, evitamos o comércio local, isto é, junto às habitações, preferindo reduzi-lo a um pequeno mercado para as necessidades quotidianas mais imediatas. A zona comercial e recreativa tem o tráfego de serviço projetado em nível inferior, permitindo aos pedestres percorrê-la tranqüilamente sem as preocupações de trânsito que conhecemos. São ruas estreitas cheias de sombra e movimento, praças singelas e convidativas, umas como grandes salões abrigados dos ventos do deserto, outras abrindo para o centro cívico e zonas de esporte. E sugerimos a utilização nesse setor de uma unidade construtiva pré-fabricada, um módulo que, repetido, garante a unidade desejável nos elementos previstos: galeria, ruas, praças, etc. Módulo que poderia, inclusive, ser usado em duas alturas, como fizemos na Praça da Sombra, localizado no centro do conjunto comercial. É um grande jardim coberto com ripas de madeira sobre estrutura metálica, para o qual abrem lojas e bares com mesas ao ar livre. E haverá também, nesse setor, outras construções, como o edifício destinado à Prefeitura, ao teatro da cidade, à Sinagoga, etc.
O centro de educação e cultura é constituído de escolas profissionais e secundárias, instituto de arte, museu, biblioteca, e o centro de saúde, hospital, creche, maternidade, etc.
Eis o que nos cabia dizer sobre o Plano Negev, que se poderia multiplicar indefinidamente ao longo das grandes vias de comunicações, definindo zonas de agricultura, indústria e recreio, levando paro o hinterland, de forma orgânica e disciplinada, a vida e o progresso." *1
 
 
*1 PLANO Negev. Módulo, Rio de Janeiro, v.10, n.39, p.4-11, mar./abr. 1965.