"UM DIA CAPANEMA me levou a Benedito Valadares, governador de Minas Gerais, que pretendia construir um cassino no "Acaba Mundo". E foi nessa ocasião que conheci Juscelino Kubistchek, candidato a prefeito de Belo Horizonte. Fiz o projeto, que mostrei a Benedito, mas o assunto só foi retomado meses depois, quando JK, prefeito da cidade, novamente me convocou. No dia combinado voltei a Belo Horizonte com Rodrigo. Tornei a conversar com JK, que me explicou: "Quero criar um bairro de lazer na Pampulha, um bairro lindo como outro não existe no país. Com cassino, clube, igreja e restaurante, e precisava do projeto do cassino para amanhã". E o atendi, elaborando durante a noite no quarto do Grande Hotel o que me pedira. Nunca tinha visto tanto entusiasmo, tanta vontade de realizar, tanta confiança num empreendimento que, no momento, muitas dificuldades teria pela frente. E a obra começou. JK a segui-la diariamente, convicto de que seria coisa importante para aquela cidade. Quantas vezes visitamos a obra de Pampulha! Quantas vezes fomos de lancha para vê-la de longe a se refletir nas águas da lagoa. E JK não se continha: "Que beleza! Vai ser o bairro mais bonito do mundo!" Pampulha nos deu muito trabalho. Para JK principalmente. A lutar por verbas impossíveis, a brigar contra o imobilismo que o cercava, contra o espírito provinciano de seus acompanhantes. Para mim Pampulha foi o começo da minha vida de arquiteto. E com que entusiasmo a começava! O início dessas longas viagens de carro a balançar pelas estradas de terra, às vezes cobertas de lama, obrigando-nos a parar e procurar auxílio. Até para junta de bois um dia apelamos! O projeto me interessava vivamente. Era a oportunidade de contestar a monotonia que cercava a arquitetura contemporânea, a onda de um funcionalismo mal compreendido que a castrava, dos dogmas de "forma e função" que surgiam, contrariando a liberdade plástica que o concreto armado permitia. A curva me atraía. A curva livre e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas igrejas barrocas lembravam. E é com prazer que recordo o entusiasmo com que Pampulha foi construída, a paixão de JK, a dedicação dos que a realizaram. E vale a pena lembrar Ajax Rabelo, seu construtor, e a presença fraternal do seu sobrinho Marco Paulo Rabello121, que encontrei 20 anos depois em Brasília, onde, como em Pampulha, dava a JK, seu amigo, a mesma colaboração daqueles velhos tempos. E lá está, a desafiar os eternos contestadores, a pequena igreja com suas curvas harmoniosas e variadas, o cassino, o clube e o restaurante. Esse último com uma marquise a cobrir, sinuosa, as mesas ao ar livre, como a lembrar que a curva pode ser bela, lógica e graciosa, se bem construída e estruturada." *1
*1 NIEMEYER, O. As Curvas do Tempo. Memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1998. 294p.p.93-5