"Foi para atender a meu pai que construí a pequena casa de Mendes, um local que também me conquistou. Tranqüilo, sem os encontros inesperados e a grã-finagem impertinente das áreas litorâneas. E escolhi um pequeno terreno na estrada de Vassouras, cortado por um riacho que, naquela época, corria docemente, crescido pelas chuvas.
Em um mês fiz a casa, aproveitando um velho galinheiro que dividi em sala, quartos, cozinha etc., cobrindo-a com telhas de amianto, protegendo sua fachada com treliças de madeira. E a casinha tomou forma, e a trepadeira a cobriu de flores, fazendo-a pitoresca e acolhedora, como um prolongamento do jardim.
Como pretendia, nela passei o carnaval e durante vários anos a freqüentei. Pela janela baixa e horizontal da sala, víamos o jardim que cresceu em pouco tempo. O gramado, o bambuzal, a ponte sobre o rio, os enormes ipês que a natureza nos deu e o caminho a subir entre eles para a estrada lateral. Mas faltava à nossa casa um pouco de distração - uma piscina, por exemplo. E o programa de Mendes se resumia - "da casa para o bambuzal e do bambuzal para a casa", como comentava jocoso nosso amigo Eça. Mas o bambuzal era lindo e dele muito aproveitava, deitado na rede, olhando entre seus ramos os espaços infinitos, imaginando-me, como Saint-Exupéry no deserto, a viajar entre as estrelas, montado neste velho planeta.
Gostava de Mendes, da intimidade que o Rio não mais oferecia. Gostava principalmente de ver meu pai a passear, feliz, no seu cavalo amarelo. Rindo, a contar suas histórias, sua vida tranqüila que o destino cortou - para nós - cedo demais. E agradava-me ver a família satisfeita, meus netos correndo pelo gramado ou dirigindo a charrete que o bode Mimoso puxava com valentia.
Às vezes tínhamos companhia: um amigo convidado ou alguém que, passando pela estrada, descia para nos ver. Outras vezes, o Abrecht ou outro vizinho qualquer nos vinha visitar. Era a conversa inocente dos pequenos lugarejos, sem exigir muita atenção, nem respostas, limitada aos pequenos e modestos problemas daquela gente simples e conformada.
Não raro íamos à casa do meu irmão Carlos Augusto, nosso líder e conselheiro. Ou visitávamos tia Alzira, na sua velha casa colonial, toda caiada de branco, com janelas azuis e o telhado esparramado, como os portugueses preferiam. Tomávamos, então, banho de piscina, passeávamos à volta do lago, ou ficávamos a conversar no terraço que as enormes quaresmeiras faziam violeta.
Mas o governo do estado do Rio resolveu construir uma estrada paralela à antiga rodovia. Fizeram movimentos de terra, entupiram o rio e, durante anos, a pequena casa de Mendes ficou invadida pelas águas e afinal completamente destruída. Nada podíamos reclamar, vivíamos os negros tempos do presidente Médici.
E nas suas paredes corroídas pela umidade ficaram antigas e ternas lembranças." *1
*1 NIEMEYER, Oscar. As Curvas do Tempo. Memórias. Rio de Janeiro, 1998. 294p.